Quinze anos depois
Não, felizmente não se trata de mais um massacre com a perda de vidas humanas, porém, o que está acontecendo em Campos dos Goytacazes e arredores, no norte do estado do Rio de Janeiro, é também uma inominável violência contra os trabalhadores rurais, justamente neste ano em que faz 15 anos do Massacre (e da impunidade) de Eldorado dos Carajás.
Em conluio com prefeituras locais – uma das quais administrada por uma ex-governadora do estado – um dos maiores empresários brasileiros está patrocinando ações que ameaçam a sobrevivência de milhares de trabalhadores rurais.
No entorno do porto que está sendo construído no município de São João da Barra, centenas de posseiros, sitiantes e pequenos proprietários estão sendo vítimas de assédio moral e pressão psicológica para abandonar e ou vender suas terras para a expansão da área industrial planejada para ser instalada junto ao complexo portuário. Famílias idosas e agricultores analfabetos são alvos privilegiados dessas pressões.
Porém, a maior violência ainda está por vir. O empresário e a ex-governadora, atual prefeita de Campos, estão planejando a destruição do maior assentamento rural do estado do Rio de Janeiro, o Zumbi dos Palmares, onde vivem e produzem mais de 500 famílias de trabalhadores rurais.
Em nome da construção de uma variante para a rodovia BR-101, visando retirar o trânsito da área central da cidade de Campos, o assentamento será destruído.
Há décadas, existe um traçado planejado para esta variante que passaria a oeste da cidade, interligando-se com a RJ-158 e a BR-356, conectando as localidades de Ibitioca, ao sul da cidade de Campos, e Travessão, ao norte. Entretanto, visando atender, sobretudo, os interesses do empresário (e de especuladores), o traçado da variante foi alterado. Agora, ao contrário de contornar a cidade por oeste a proposta é contorná-la por leste, muito mais próximo do porto que está sendo construído pelo empresário. Por esta proposta, a variante da BR-101 atravessaria o assentamento Zumbi dos Palmares, o que implicaria, de imediato, a eliminação de vários lotes para dar lugar à rodovia, e na seqüência um enorme processo de especulação imobiliária que afetaria o restante da área.
Tal plano – que está sendo desenvolvido a toque de caixa sem qualquer consulta aos trabalhadores que serão atingidos pela mudança do traçado previsto – também está sendo feito à revelia do Incra, órgão responsável pela reforma agrária e dono das terras onde se planeja construir parte da nova rodovia.
No assentamento Zumbi dos Palmares são produzidos alimentos para o abastecimento da cidade de Campos e até da capital do estado. Isto, no entanto, não está sendo levado em consideração pelas autoridades locais, nem pelo governo federal, pois o DNIT já concedeu autorização para o novo traçado, sem sequer atentar para o fato de que este se daria sobre terras de outro órgão governamental.
Portanto, o que está acontecendo hoje no Norte Fluminense é mais um caso de violência contra os trabalhadores rurais e um atentado contra a já tão combalida reforma agrária. Em nome dos interesses de grande empresários e especuladores de terras, trabalhadores são expulsos de suas terras, a produção de alimentos é eliminada e o pouco que foi realizado em matéria de reforma agrária no Rio e no Brasil é destruído. Resta à sociedade brasileira, fluminense e campista se posicionar: o que vale mais? A vida ou o lucro?
Rio de Janeiro, 17 de abril de 2011.
Paulo Alentejano – Professor do Departamento de Geografia da FFP/UERJ, Professor Visitante da EPSJV/Fiocruz e Diretor da Associação dos Geógrafos Brasileiros.